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Diabetes

O quão comum é a cardiomiopatia diabética?

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Escrito por Erik Trovao

A associação entre diabetes mellitus (DM) e insuficiência cardíaca (IC) tem sido tema frequente de debate nos últimos anos, sendo cada vez mais reconhecida a importância da chamada cardiomiopatia diabética dentro do espectro de complicações cardiovasculares que afetam o indivíduo com hiperglicemia crônica. Neste contexto, a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada pode corresponder a até 50% dos casos. No entanto, o critério ideal para se identificar a CD e suas implicações prognósticas ainda não são bem estabelecidos.

Recente estudo, publicado no Journal of the American College of Cardiology por Segar MW e colaboradores, avaliou a prevalência de cardiomiopatia diabética entre indivíduos com DM livres de doença cardiovascular estabelecida em uma coorte derivada de 3 estudos epidemiológicos: ARIC (Atherosclerosis Risk in Communities), CHS (Cardiovascular Health Study) e CRIC (Chronic Renal Insufficiency Cohort). Como objetivo adicional, foi avaliado se havia associação independente entre o fenótipo de CD e o risco de IC manifesta.

Os participantes foram submetidos à dosagem de peptídeos natriuréticos e a ecocardiograma em busca das seguintes anormalidades: hipertrofia ventricular esquerda, aumento do átrio esquerdo ou disfunção diastólica. Aqueles com alterações presentes nos exames foram divididos em 3 fenótipos de cardiomiopatia diabética:

  1. Menos restritivo: presença de apenas uma anormalidade ecocardiográfica
  2. Restritivo intermediário: presença de pelo menos 2 anormalidades ecocardiográficas
  3. Mais restritivo: presença de pelo menos 2 anormalidades ecocardiográficas associadas a níveis elevados de peptídeos natriuréticos

Uma amostra de 2.900 indivíduos com diabetes foi selecionada a partir de 16.653 participantes, encontrando-se uma prevalência de CD fenótipo menos restritivo de 67%, de CD fenótipo restritivo intermediário de 20% e de CD fenótipo mais restritivo de 11,7%.

Entre aqueles com fenótipo mais restritivo, havia maiores taxas de hipertensão e pior função renal. Nos três fenótipos, maior probabilidade de CD foi associada com maiores níveis de glicemia de jejum, maior índice de massa corpórea (IMC), valores menores de taxa de filtração glomerular e idade mais avançada.

Entre as anormalidades ecocardiográficas, a disfunção diastólica foi a mais comum em cada um dos três fenótipos. Hipertrofia do ventrículo esquerdo e aumento do átrio esquerdo foram mais comuns nos fenótipos intermediário e mais restritivo quando comprados ao menos restritivo.

Em relação ao risco de IC manifesta, a sua incidência no decorrer de 5 anos de acompanhamento foi de 6,4% entre os indivíduos com CD, sendo significativamente maior neste grupo, independente do fenótipo avaliado, do que nos grupos de indivíduos com euglicemia, com pré-diabetes ou com diabetes mas sem CD.

Embora a incidência cumulativa de IC tenha sido maior nos fenótipos intermediário e mais restritivo, o grupo com fenótipo menos restritivo (correspondente a 67% dos casos) foi responsável por 78,5% de todos os casos de IC entre os indivíduos com DM ao longo do seguimento. Além disso, o risco de IC foi maior entre aqueles com diabetes e CD do que entre aqueles com diabetes mas sem CD. Foram também independentemente associados a maior risco de IC: idade avançada, maior IMC, níveis mais altos de pressão arterial sistólica, uso de anti-hipertensivos e tabagismo.

Ao final, um dos achados que mais chamou a atenção dos autores foi a presença marcante de anormalidades subclínicas na estrutura e na função cardíaca entre os participantes com diabetes mesmo na ausência de outros fatores de risco, como hipertensão e obesidade. Da mesma forma, o risco de evolução para IC naqueles indivíduos com CD foi alto mesmo nos subgrupos com pressão arterial e IMC mais baixos.

Parece, portanto, que a própria disglicemia exerce um papel importante no desenvolvimento das anormalidades cardíacas, independentemente da presença de outros fatores de risco, embora o presente estudo não tenha estabelecido uma relação causal entre diabetes e cardiomiopatia, limitação citada pelos próprios autores.

Outro achado importante diz respeito ao fato do risco de IC nos indivíduos com diabetes ou pré-diabetes mas sem CD não diferir dos participantes euglicêmicos, reforçando que mesmo pacientes com diabetes teriam risco baixo de IC na ausência de anormalidades ecocardiográficas.

Com o surgimento de uma nova era no tratamento da IC após a descoberta do papel terapêutico dos inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2), os achados deste estudo nos fazem questionar se haveria algum benefício desta classe de drogas na CD em sua fase subclínica. Independentemente da resposta a este questionamento, fica claro a necessidade de se traçar estratégicas terapêuticas para diminuir o risco de progressão clínica entre os indivíduos com CD.

Talvez, o primeiro passo seja instituir ferramentas de triagem adequadas para o diagnóstico precoce desta condição. Afinal, a alta prevalência da CD mostrada neste estudo e sua implicação prognóstica nos indivíduos com diabetes aponta para a necessidade de sua investigação pelos médicos clínicos que, em sua maioria, parecem ainda negligenciar a CD dentro do contexto da doença cardiovascular.



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Erik Trovao

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