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Suplementação de ômega-3: as controvérsias continuam

Escrito por Erik Trovao

O ômega-3 corresponde a ácidos graxos derivados do óleo de peixe e tem dois principais representantes: o ácido decosa-hexanoico (DHA) e o ácido eicosapentaenoico (EPA). Eles não são produzidos pelo nosso organismo, só podendo ser adquiridos através da dieta ou da suplementação. No entanto, embora bastante popular entre a população leiga, os cientistas continuam se questionamento se há realmente algum benefício da suplementação de ômega-3.

Cada vez mais temos evidências de que a suplementação para a população geral não trás nenhum benefício. No entanto, em algumas populações específicas, ela pode ser útil. Atualmente, a principal indicação clínica do ômega 3, considerando seu efeito redutor na síntese hepática de VLDL, é no tratamento adjuvante da hipertrigliceridemia grave, em associação com um fibrato; ou como única opção quando há intolerância ou contra-indicação aos fibratos.

A dose para o tratamento da hipertrigliceridemia grave deve variar de 1 a 4g/dia, obtendo-se, em média, uma redução de 20 a 30% nos níveis séricos de triglicerídeos (TG). A dose deve ser titulada para minimizar os efeitos adversos: náuseas, eructação, diarreia, fibrilação e flutter atrial e aumento dos níveis de LDL-colesterol (LDL-c).

Mas a maior dúvida atual referente à suplementação de ômega-3 é se estes ácidos graxos possuem algum benefício cardiovascular. Pelo menos em relação à prevenção primária, a resposta parece ser um grande NÃO.

Afinal, no ano de 2019, tivemos a publicação do estudo ASCEND no The New England Journal of Medicine, que acompanhou 25871 indivíduos por um período médio de 5,3 anos e não demonstrou nenhuma redução de eventos cardiovasculares (nem de câncer) com a suplementação de ômega-3 na dose de 1g/dia.

Por outro lado, também em 2019, foi publicado na mesma revista os dados do REDUCE-IT, desta vez avaliando pacientes para prevenção secundária. O estudo randomizou 8179 indivíduos com doença cardiovascular (DCV) estabelecida ou com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) associado a outros fatores de risco para receber 4g/dia de uma forma purificada do EPA (o ácido etil-eicosapentaenoico) ou de placebo (óleo mineral).

Todos os indivíduos incluídos no estudo estavam em uso de estatina, com níveis de LDL-c basal variando de 41 a 100 mg/dl e com níveis basais de TG de 135 a 499 mg/dl. Após um seguimento de 4,9 anos, houve redução de 25% no desfecho primário.

Este resultado fez o FDA aprovar, ainda em 2019, esta forma purificada do EPA, sob o nome comercial de Vascepa, como terapia adjuvante para reduzir o risco cardiovascular em pacientes com TG > 150 mg/dl, em uso de estatina, e com DCV estabelecida ou com DM2 associado a dois ou mais fatores de risco.

Mas a controvérsia não terminou aí. Muitos especialistas questionaram os resultados do REDUCE-IT, criticando, especialmente, o fato dos autores terem utilizado óleo mineral como placebo, substância que, suspeita-se, não seja totalmente inócua. Será que o aparente benefício do ômega-3 não foi, na verdade, uma ilusão causada por um potencial malefício do óleo mineral?

E mais lenha foi jogada nessa fogueira com a publicação recente, no Circulation, de uma nova análise do REDUCE-IT. Foi demonstrado que, no grupo que fez uso de óleo mineral, houve aumento de biomarcadores associados à doença cardiovascular no período de 12 e 24 meses: aumento de 1,5% dos níveis de homocisteína, de 2,2% de lipoproteína(a), de 10,9% de LDL-c oxidada, de 16,2% de interleucina-6, de 21,9% de proteína C reativa e de 28,9% de interleucina-1beta.

Já no grupo que fez uso do EPA purificado, esse efeito foi mínimo. Estes dados fizeram os autores questionarem os resultados do REDUCE-IT e alguns especialistas têm sugerido que o FDA retire a indicação em bula do Vascepa incluída em 2019 até que um novo estudo seja conduzido utilizando-se um placebo diferente do óleo mineral.

Por outro lado, um dos autores do REDUCE-IT afirma que isto seria desperdício de dinheiro, já que não acredita que os resultados desta nova análise mudem a conclusão do estudo original. Afinal, ele afirma que o aumento absoluto dos biomarcadores avaliados foi mínimo e que não seria suficiente para anular a redução de 25% de eventos demonstrada.

Enquanto os grandes discutem, os médicos na linha de frente da prática clínica precisam tomar a melhor decisão na hora de decidir sobre a prescrição do ômega-3 para a prevenção secundária. Para os médicos brasileiros, vale lembrar que não temos disponível, no mercado, a forma purificada do EPA utilizada no REDUCE-IT. E não faz sentido prescrever apresentações diferentes. Por aqui, pelo menos por enquanto, só nos resta reservar ômega-3 para os casos de hipertrigliceridemia grave.



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Sobre o autor

Erik Trovao

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