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Tireoide

T4 + T3: terapia combinada no hipotireoidismo?

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Escrito por Luciano Albuquerque

O tratamento padrão do hipotireoidismo permanece sendo a reposição de levotiroxina em dosagens ajustadas para atingir uma concentração sérica normal de TSH. A maioria dos pacientes consegue o restabelecimento do eutireoidismo clínico e bioquímico, superando as alterações associadas à deficiência dos hormônios tireodianos. No entanto, uma minoria de pacientes segue apresentando sintomas residuais de hipotireoidismo, apesar da normalização do TSH sérico. Uma correta avaliação acerca de outras fatores que possam determinar tais sintomas se faz necessária. Afastadas outras etiologias, tais pacientes poderiam ser candidatos à terapia combinada (T4 + T3), considerando a indisponibilidade desse hormônio no Brasil.

Em condições fisiológicas, a tireoide secreta cerca de 5 a 6,5 ​​µg de T3 diariamente. A maior parte desse hormônio (~20 µg) é produzida a partir da conversão do T4 pela ação das desiodinases. No hipotireoidismo em reposição com T4 isoladamente, pode ocorrer menor atividade dessas enzimas, particularmente da desiodinase tipo 2, levando a uma relação T4:T3 maior que a observada no eutireoidismo endógeno. Nesse contexto, tal “hipotireoidismo tecidual” seria uma explicação plausível para a sintomatologia residual. Devemos ressaltar que parte da conversão de T4 a T3 ocorre no interior do citoplasma das células, de forma que os níveis séricos não necessariamente refletem a atividade hormonal.

Na Europa, existem formulações comercialmente disponíveis de T3. Os guidelines sugerem o uso como teste terapêutico. Para indivíduos em uso regular de T4 com nível sérico normal de TSH, a terapia combinada pode ser iniciada diminuindo a dose diária de T4 em 12 a 25 mcg, e adicionando T3 2,5 mcg duas vezes ao dia. Para monitorar níveis de pico, o T3 total deve ser avaliado 2 a 4 horas após o uso. A normalização do TSH e melhora dos sintomas (embora bastante subjetiva) continuam sendo os objetivos do tratamento. Se não houver resposta clínica adequada, a monoterapia com levotiroxina deve ser retomada.

No Brasil, não existem formulações de T3 com autorização da ANVISA para sua comercialização. Existem potenciais preocupações de segurança devido a insuficiência de dados de longo prazo, embora ensaios clínicos recentes não mostrem aumento morbidade ou mortalidade. A segurança do uso de T3 em pacientes com comorbidades como osteoporose, transtornos do humor, doença cardiovascular ou fibrilação atrial é desconhecida. Relatos na literatura de casos de crise tireotóxica e arritmias, potencialmente fatais, não são infrequentes, com riscos ainda maiores quando do uso indevido, como para perda de peso. Publicação recente mostra incidência aumentada de insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral.

Nesse cenário, fica plenamente justificada a manutenção da terapia com levotiroxina como o padrão. Casos extremamente selecionados, com acompanhamento constante, por especialista adequadamente capacitado e com utilização de medicamento importado de países onde a comercialização de T3 é disponível (Europa) podem ser considerados em caráter de teste terapêutico. O cuidado é sempre necessário.



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Sobre o autor

Luciano Albuquerque

Preceptor da residência em Endocrinologia do HC-UFPE e da residência em Clínica Média do Hospital Otávio de Freitas. Presidente da SBEM regional Pernambuco no biênio 2019-2020.

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