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Estudo HAARLEM: os riscos do uso de esteroides anabolizantes

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Escrito por Ícaro Sampaio

Os esteroides androgênicos anabolizantes (EAA) são hormônios esteroides que atuam nos receptores androgênicos e possuem tanto atividade anabólica, quanto androgênica. Atualmente, os EAA estão sendo utilizados de forma abusiva e indiscriminada para melhora da performance esportiva e estética. Os resultados de uma meta-análise de 2014 estimaram a taxa de prevalência global ao longo da vida para homens e mulheres em 6,4% e 1,6%, respectivamente.

Até recentemente, a maioria das evidências sobre o efeito do abuso de esteroides androgênicos anabolizantes na saúde era baseada na opinião de especialistas, estudos de caso, análises retrospectivas e estudos transversais. Nos últimos anos, uma iniciativa de coorte relativamente grande e prospectiva, o estudo HAARLEM (health risks of anabolic androgenic steroid use by male amateur athletes), forneceu dados do mundo real sobre o abuso de andrógenos, analisando prospectivamente um grupo relativamente grande de homens praticantes de musculação antes, durante e depois de um ciclo. Em dezembro de 2022, foi publicada uma revisão que buscou resumir e discutir as descobertas mais importantes do estudo HAARLEM.

Os dados do estudo HAARLEM foram publicados em cinco publicações diferentes. A primeiro descrevia as características demográficas dos 100 indivíduos incluídos no estudo e as especificidades dos ciclos androgênicos realizados pelos atletas. As demais publicações resumiram a análise da saúde durante um período de acompanhamento de um ano, no qual foi realizado pelo menos um ciclo androgênico.  Vejamos a seguir os principais tópicos abordados pelos autores da recente revisão que discute essa coorte tão importante, com nosso destaque para os efeitos sobre a função testicular :

                 1. Eventos adversos graves

Quatro participantes experimentaram eventos adversos graves: insuficiência cardíaca, pancreatite aguda, exacerbação de colite ulcerosa e ideação suicida. O caso de insuficiência cardíaca dizia respeito a um indivíduo com cardiomiopatia hipertrófica hereditária. Nos outros três atletas, o evento foi uma descompensação de uma condição prévia.  Com base nesses eventos, juntamente com o grande número de relatos de casos de problemas graves de saúde devido ao abuso de andrógenos, pode-se postular que os esteroides anabolizantes podem descompensar uma doença ou condição crônica.

              2. Efeitos colaterais considerados “positivos e negativos”

Efeitos descritos como “positivos” foram: aumento de massa muscular (95%) e força (100%), mas também aumento de energia (45%) e melhora da concentração (29%). E os efeitos negativos: retenção de líquidos (56%), dor no local da injeção (20%), diaforese (17%), acne (29%) e ginecomastia (19%). Após o ciclo, os efeitos positivos desapareceram rapidamente e muitos indivíduos experimentaram diminuição da libido (59%) e disfunção erétil (14%).

             3. Efeitos sobre rins e fígado

Houve uma alteração pequena e reversível das concentrações de creatinina e a análise de fita reagente demonstrou que a albuminúria surgiu ou aumentou em 16% dos indivíduos. Também foi observada alteração na bioquímica do fígado, com pequenos incrementos na TGO e TGP, o que pode refletir uma lesão hepática menor, mas muitas vezes representa o dano muscular de exercícios pesados.

            4. Efeitos sobre a função testicular

A administração de doses suprafisiológicas de andrógenos exógenos levou à supressão completa do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal em praticamente todos os indivíduos. De acordo com isso, o volume testicular diminuiu e a espermatogênese diminuiu. Quando a função gonadal antes do início do ciclo era normal, a chance de normalização da concentração de testosterona era de 90% após três meses de recuperação e de 100% ao final do seguimento.  Ao contrário, 37% dos indivíduos da coorte apresentavam sinais de função gonadal anormal no início do estudo, e sua taxa de recuperação foi mais lenta, com 24% sem concentração normal de testosterona total no final do acompanhamento. Este grupo era composto por indivíduos com uma maior exposição cumulativa passada a andrógenos, postulando o abuso prévio de andrógenos como um fator de risco para interrupção duradoura da função testicular. A espermatogênese se recuperou mais lentamente do que a produção endógena de testosterona, com tempo de recuperação definido calculado em 59 semanas. No entanto, é muito comum que os usuários de andrógenos iniciem um novo ciclo antes desse período de aproximadamente um ano e, portanto, antes que a recuperação da espermatogênese esteja completa. Presume-se que a exposição repetida a andrógenos prolongue o tempo de recuperação necessário e possa, eventualmente, causar distorção permanente da fertilidade. 

            5. Efeitos cardiovasculares

Houve aumento na pressão arterial, fazendo com que 41% dos indivíduos fossem hipertensos (>140/90 mmHg) durante o ciclo em comparação com 16% no início do estudo. O abuso de anabolizantes levou a um hematócrito superior a 50% em um terço dos indivíduos. A análise mostrou também um claro aumento da massa ventricular esquerda, com redução da fração de ejeção em 5% e aumento da rigidez do ventrículo esquerdo.

 

Smit DL, Bond P, de Ronde W. Health effects of androgen abuse: a review of the HAARLEM study. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2022 Dec 1;29(6):560-565.

 



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Sobre o autor

Ícaro Sampaio

Graduação em medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco
Residência em Clínica Médica pelo Hospital Regional de Juazeiro - BA
Residência em Endocrinologia e Metabologia pelo Hospital das Clínicas da UFPE
Título de Especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
Editor Endocrinopapers
Médico Endocrinologista no Hospital Esperança Recife e Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa

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