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Novo guideline de hiperparatireoidismo primário – quais as novidades?

Escrito por Erik Trovao

Desde 1990, especialistas do mundo inteiro se reúnem periodicamente para elaborar e atualizar o guideline de avaliação e manejo do hiperparatireoidismo primário (HPTP), com o objetivo de revisar as últimas evidências sobre o tema e orientar clínicos na tomada de decisões. O último guideline sobre hiperparatireoidismo primário havia sido publicado em 2014, mas o grupo acaba de publicar a sua nova versão no Journal of Bone and Mineral Research. Mas será que houve muitas mudanças?

De um modo geral, as recomendações não são muito diferentes do último guideline, uma vez que as evidências dos últimos 8 anos não foram robustas o suficiente para modificar a maior parte das condutas já sugeridas. No entanto, alguns pontos discutidos e algumas novidades devem ser destacados:

  1. Diagnóstico do hiperparatireoidismo primário: o novo guideline reforça a necessidade de se repetir a dosagem de cálcio e PTH após um intervalo mínimo de 15 dias (a dosagem do cálcio iônico não é obrigatória). Para os casos de hiperparatireoidismo primário normocalcêmico, a repetição deve ocorrer após 3 a 6 meses (a dosagem do cálcio iônico é necessária).
  2. Fenótipos clínicos: embora não tenha ocorrido mudança na classificação do HPTP entre as suas diferentes formas (assintomática, sintomática e normocalcêmica), os autores detalham e definem melhor os dois primeiros fenótipos:
  • Sintomático: a doença se apresenta clinicamente com complicações esqueléticas e/ou renais evidentes. As complicações esqueléticas incluem a osteíte fibrosa cística e/ou a presença de fraturas de fragilidade clínicas. As manifestações renais incluem a doença renal crônica, a nefrocalcinose e/ou a nefrolitíase.
  • Assintomático: na ausência de sintomas ou sinais evidentes, a doença é diagnosticada a partir do rastreio bioquímico. A descoberta de acometimento esquelético e/ou renal através de exames diagnósticos posteriores sem que estas complicações sejam clinicamente evidentes, não reclassifica o paciente como sintomático. Na verdade, o fenótipo assintomático passa a ter dois subtipos: sem lesão de órgão-alvo; comm lesão de órgão-alvo: densitometria óssea evidencia osteoporose; avaliação de fratura vertebral (VFA) ou radiografia de coluna evidencia fratura vertebral morfométrica; avaliação da função renal evidencia doença renal crônica; ultrassonografia (USG) ou tomografia computadorizada (TC) evidenciam nefrolitíase e/ou nefrocalcinose.
  1. Avaliação esquelética: os autores mantêm a indicação de densitometria óssea para todos os pacientes (incluindo os 3 sítios: coluna, fêmur proximal e rádio 33%) e de busca ativa para fraturas vertebrais com VFA ou radiografia de coluna. O escore trabecular ósseo pode ser realizado, se disponível, embora os autores reconheçam que as últimas evidências não comprovam que um TBS baixo está necessariamente associado a aumento do risco de fraturas vertebrais em pacientes com HPTP.
  2. Avaliação renal: os autores consideram a avaliação da função renal pelo clearence de creatinina (ClCr) superior à taxa de filtração glomerular estimada (TFGe). Em relação à busca ativa por nefrolítíase, o guideline não dá preferência a nenhum exame de imagem, podendo-se lançar mão tanto da USG quanto da TC. Todo indivíduo com hipercalciúria e/ou nefrolitíase deve ser investigado para outras anormalidades bioquímicas urinárias causadores de cálculo: hiperuricosúria, hipomagnesúria, hiperoxalúria, hipocitratúria e e cistinúria.
  3. Testes genéticos: a investigação de formas familiares de HPTP deve ser realizada em indivíduos com idade < 30 anos (o guideline anterior não estabelecia um ponto de corte para a idade); com 2 ou mais paratireoides acometidas; com história familiar de hipercalcemia e/ou de doença sindrômica (como neoplasia endócrina múltipla).
  4. Manifestações não-clássicas: continua não havendo indicação de investigar manifestações neuropsiquiátricas, neurocognitivas, cardiovasculares, metabólicas ou gastrointestinais nos indivíduos com HPTP. Da mesma forma, a presença de qualquer uma destas manifestações continuam não sendo indicação para paratireoidectomia.
  5. Indicação de paratireoidectomia: todos os pacientes com o fenótipo sintomático continuam tendo indicação de tratamento cirúrgico. Em relação às formas assintomáticas, houve apenas duas mudanças, ambas relacionadas à hipercalciúria: o ponto de corte para indicar a paratireoidectomia baixou (era > 400 mg/dia) e agora difere de acordo com o gênero: > 300 mg/dia para homens e > 250mg/dia para mulheres; não é mais obrigatório ter, associada, outra anormalidade bioquímica urinária causadora de nefrolitíase.
  6. Conduta no hiperparatireoidismo normocalcêmico: os autores optaram por não fazer nenhuma recomendação para este fenótipo da doença considerando a escassez de dados na literatura.
  7. Monitorização dos pacientes não submetidos à cirurgia: o guideline atual detalha melhor como deve ser esta monitorização: avaliação anual do cálcio e da 25-hidroxivitamina D (25OHD) séricas e do ClCr (preferencialmente à TFGe); DXA a cada 1 a 2 anos; VFA, radiografia de coluna, TBS e imagem abdominal (USG ou TC) se clinicamente indicados.
  8. Indicação de cirurgia naqueles que estão em seguimento clínico: cálcio sérico passar de 1mg/dl além do limite superior da normalidade; ocorrer fratura de fragilidade (clínica e/ou morfométrica); surgir cálculo renal; T-escore cair até um valor -2.5 em qualquer sítio; ocorrer redução significativa do ClCr (definida agora como uma queda anual de 3 ml/min).
  9. Conduta durante o seguimento clínico quando a cirurgia não foi indicada (ou foi contraindicada):
    • Manter ingestão adequada de cálcio: 800mg/dia para mulheres < 50 anos e homens < 70 anos; 1000mg/dia para mulheres > 50 anos e homens > 70 anos.
    • Manter níveis ideais de 25-hidroxivitamina D: enquanto o guideline anterior orientava que os níveis de 25OHD fossem mantidos acima de 20 ng/ml, a atual recomendação sugere que os seus níveis sejam corrigidos para valores acima de 30 ng/ml, mas tendo-se o cuidado de mantê-los abaixo do limite superior da normalidade do método utilizado para a dosagem.
    • Aumentar a densidade mineral óssea (DMO) quando clinicamente indicado: fazer uso de bisfosfonato ou denosumabe, embora não haja evidências de que estas medicações reduzam o risco de fratura no HPTP. O estrógeno pode ser uma opção, mas o raloxifeno não.
    • Reduzir os níveis séricos de cálcio quanto clinicamente indicado: para isto usar o cinacalcete.
    • Fazer tratamento combinado quando for necessário tanto aumentar a DMO quanto reduzir a calcemia: com bisfosfonato ou denosumabe associado ao cinacalcete.

Embora possa parecer muitas modificações, o novo guideline se destaca muito mais por detalhar melhor as diversas particularidades do hiperparatireodismo primário do que por trazer novas recomendações. Entre estas, as maiores mudanças, sem dúvida, foram a nova definição da hipercalciúria como critério cirúrgico na forma assintomática da doença e a nova recomendação sobre os níveis ideias de 25OHD.

Em relação à forma normocalcêmica, infelizmente, teremos que aguardar mais estudos antes que os especialistas se posicionem sobre a melhor conduta neste fenótipo da doença. Quem sabe esta será a grande novidade do futuro guideline.



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Sobre o autor

Erik Trovao

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